"...olhavas-me de baixo e eu sentia-me como presa naquele quadro dependurado naquela parede nua... havias-me pintado, traço a traço, ruga a ruga com aquele lápis de cera preta com que fazias os teus gatafunhos... olhavas-me de baixo e eu sentia-me perdida no meio do teu olhar que não sabia ler, que não sabia entender... havias-me traçado a pele enrugada à volta dos olhos, nas faces, as próprias linhas do franzir habitual da minha testa... como me houveras pintado tão bem... ainda recordo aquela manhã em que sentada no banco da cozinha me havias pedido para posar para ti... ri-me como se pudesses fazer tal coisa... e, depois destes anos todos passados, em que regresso apenas em memória, olho-te de cima e vejo-te a olhar para mim daí de baixo, em pé nesse chão de tábuas rabugentas e bafiosas... olhas-me com um olhar parado, sem fulgor, apagado, mas olhas-me e recordas-me... só não consigo entender se me olhas por respeito se por amor... e a dúvida mantém-me presa dentro desta moldura..."
8 comentários:
Lindo!
Já tinha saudades do "mago das palavras".
Beijinhos :)*
O amor tudo da e tudo reclama para si…
Continua a pintar!
Um abraço.
Nunca entendi bem porque se colocam molduras nos quadros, para mim elas sitiam os sentimentos de quem os pintou e cerceiam o olhar de quem os olha. Todos os quadros deveriam viver livres nas nossas paredes, tão livres como no momento em que nasceram nas mãos dos seus criadores. Se o quadro da tua prosa não tivesse moldura, a dúvida jamais existiria. Lobito, como sempre, a minha vénia para a tua escrita, sem molduras, simplesmente livre e aberta para o coração de todos nós. Besitos para ti.
Lindo! Continuo a gostar imenso de te ler.:)
Beijinhos.
ADOOOOORO esta canção,que surpresa boa...não sou capaz de lermais nada,agora não!...,vou ficar a ouvir ...este é dos meus discos que ficaram pra trás,ninguém o vai ouvir...
...é ~isto mexe tanto comigo...desde que me lembro de ser gente...ups!
abraço,muito apertado!
margarida
O regresso só em memória, para mim, é sempre um grilhão. Porque regressamos sem já em nada podermos actuar. As nossas memórias são a nossa identidade, que com o decorrer dos anos vamos saboreando melhor, ou até nem tanto.
belo texto mesmo (alma prisioneira da moldura c tempo para as rugas, bem compostas) musica belissima..adorei
Enviar um comentário