domingo, outubro 31, 2004

bendigo o silêncio

Bendigo o silêncio que me envolve; há tão-somente o chilrear dos pardais que no meu quintal fazem os tais voos palermas; são imensos e, neste momento, com o vento norte que sopra um pouco forte, esse piar dilui-se porque o som vai para sul deste meu canto. Me encanto, sem espanto, neste doce manto de paz e de solidão. Não estou triste nem a mágoa me consome apesar de tal estado ser enorme. Me entrego a ela em paz e com muita serenidade; não faço alarde nem a tento afastar. Aguardo apenas; aguardo o que houver para aguardar; não vou apressar o passo para passar em frente o que tenha de vir ainda a passar; não sei o que está para vir mas sei que algo virá. Bendigo, pois, o silêncio que me envolve. Sinto-me nele como dele fosse parte e não existisse sem que ele me deixasse; penso mesmo que, presentemente, eu deixaria de ser o que sou se o silêncio me abandonasse; no entanto, grito e desejo que tal aconteça, grito e anseio que ele desapareça, que algo surja para eu rir às gargalhadas. Porém, me assalta uma dúvida: que outra paz e serenidade poderei ter se este silêncio me abandonar? Será que a luta e o movimento será uma outra paz? Será que quando o actual silêncio me abandonar eu irei ter novamente um outro silêncio? Há muito já que ele faz parte de mim, ou se calhar não tanto tempo assim; todavia, a contagem até nem é importante, nós é que damos a importância que se sente deva ser dada, ou talvez não, talvez nem mereça ser assim tão doce ou mesmo breve; é que não sei se o estado de alma que sinto é doce e longo se amargo e curto, se amargo e longo ou doce e curto; sei apenas que me sinto bem e ao mesmo tempo sei que não o posso aguentar muito mais tempo. Tragédia esta a minha que de tão simples a faço tão complicada. Mas não seremos nós os complicadores que de tanto complicarmos as coisas, estas se tornam mesmo complicadas? Se calhar assim é. Resta-me, por isso, a esperança de que seja eu que esteja a laborar num erro e não que seja o erro um erro em si mesmo. O nevoeiro que nos cobria há 48 horas dissipou-se; o sol está novamente brilhando; pode ser que seja um bom augúrio, ou talvez apenas uma mudança de vento; que seja o que tiver de ser; nada mais simples que aceitar o que nos for dado vivenciar. Bendigo, portanto, o silêncio que me envolve. No entanto, espero apenas (nem que seja um grito) que algo me acorde.

6 comentários:

Fátima Santos disse...

Quim (aviso: anda por aí um outro Quim que me deu confusão rsss vi que não eras...não podias...ou sei lá...heterónimo eles há...mas...) ontem li tudo deste Outubro e fiquei a saber (esquecera doidinha!) que tens, sim ali o sul e o este sim senhor! de norte apenas o soprar do vento neste e outros de silêncio. Fiquei a pensar e de escrita preparada mas...a caixa não permitiu comentar e eu queria apenas conversar! por isso se calahar ela se encerrou! agora, de fugida, discorro de nada dizer que jeito tenha e estou aqui com esta "Tragédia esta a minha que de tão simples a faço tão complicada" que no texto é uma coisa e assim descontextualizada é apenas minha que tento tanto tento na ver tragédia e ser descomplicada!
Ai que bom o silêncio e os pássaros e o vento quando se tem passado aolhar-nos e futuro a crescer e presente presente!
Grande abraço!
PS a vida é por si só uma dádiva! tu sabes!tu sabes!
(ai que séria eu estou! rss **)

Anónimo disse...

Que lindo texto, amigo! Tu escreves tão bem e consegues transmitir muita emoção... Beijos!
Dália
http://www.jardimdesonhos.weblogger.com.br

eduardo disse...

Quantos pardais, Quim... quantos pardais?
Olha lá, ou melhor, olha cá: a minha neta já te chama "vô Quim"?
mau mau, mau mau.

ps - gostou de ti, a piquena.

Um abraço.

Anónimo disse...

O silêncio é bom, Quim, porque nos deixa ouvir a vozinha que sussurra cá dentro e que nem sempre ouvimos, por excesso de ruído em redor. Beijo. DespenteadaMental

Anónimo disse...

betania comenta:
quim, os teus textos...lembram-me o emaranhado das rendas de bilros, ou os teares manuais e ancestrais
onde ainda se tecem os fatos à vianesa, cheios de matizes de cor e desenhos aparentemente simples mas
de cera forma complexos porque tem que ter uma certa
lógica.

Gosto de te ler. Escreve sempre e quebra os silêncios!
Beijinhos
betania
http://betanices.blogs.sapo.pt

Anónimo disse...

Que dizer? Olha, sublime! Prontus! :)
beijo e bom feriado
Cinda