Tenho frio, tenho mesmo muito frio.
Sinto um arrepio dentro de mim que me faz encolher a alma; dobro-me sobre mim mesmo e procuro a razão do frio que sinto; sinto-me cheio de um vazio que se instala no meu cérebro e deste passa para o meu ser. Sinto-me entorpecer e as pernas dobram-se e enregelam. O frio que sinto faz-me tremer; não vejo sol dentro de mim e a lua passou já muito ao largo e não deixou rastos. As estrelas estão longe e não me iluminam o suficiente para aquecer o meu coração. É tudo em vão. Todo o esforço que faço para me manter à superfície ainda me magoa mais porque as forças me abandonam e o corpo rejeita energias que gasto nesta viagem. E é apenas a minha imagem. Mas olho para lá e não vejo nada que me faça regressar. E desejo cada vez mais sair, fugir mesmo sem saber para onde ir; não é dilema não saber o que aí vem; sabe-se que se está a ir nessa direcção e deixamo-nos ir como folha perdida nas águas turbulentas de uma sarjeta suja de pó e vazia também de tudo. Deito-me dentro de mim e adormeço no meu sonho sem dormir; é um sonho acordado de tão cansado que nem o sono sossega e não me dá trégua.
Tenho frio, tenho muito frio.
Sinto um arrepio de novo e mais uma vez me encolho e olho para dentro do copo que tenho na mão; é um copo vazio como eu e também está frio; peço a alguém que o encha de novo e dizem-me que não, que já bebi demasiado; mas eu sei que não, ainda consigo entender o que me é dito e porque razão ouço este imenso grito.
Tenho frio, tenho muito frio.
Saio num tropeço dum trôpego andar. Passo pelo espelho e alguém do lado de lá olha para mim e sorri; é alguém que eu já conheci, alguém que já esteve aqui comigo, dentro de mim; nunca mais o vi; por onde andará? No entanto, foi simpático, acompanhou-me até à saída; não o vi mais; não havia mais espelhos naquela sala daquele bar. Abri a porta de par em par. Respirei o ar frio da noite ainda mais quente do que o frio que eu sentia dentro de mim. Olhei o mar que se estendia para lá daquelas escadas que desciam para ele, ele que me esperava depois do abismo; olhei-o e ele riu-se numa risada tremenda que me fez encolher e de novo ver que já nada estava ali a fazer. Preciso de dormir, mas um sono que jamais termine; preciso de dormir e afinal o carro está ainda ali; é aquele preto; tem aros prateados nos faróis mas não tem luz, estão apagados como eu. A chave está na minha mão e abrir a porta não custa; já nada me assusta porque o frio me tira a percepção da realidade; tenho apenas uma vontade, dormir, deixar-me ir e não saber nem como nem para onde.
Tenho frio, tenho muito frio.
6 comentários:
Andei a procurar viver as ultimas noites, daí a minha ausência, mas voltei,pelo menos por uma semana.
Lembras-te Da Ultima Noite?Vou procurar recordá-las.
Boa semana,e que não faça muito frio.
Abraço.
Um texto lindo, como sempre, mas fiquei triste. Deixo-te um abraço de urso e um beijinho
Cinda
Então Quim, que posts tão negros que tens vindo a editar! Um abraço amigo para ver se esse frio se vai embora.
Olá, Quim. Se o texto 'Frio' é pura criação literária, resta-me parabenizar-te; se é a expressão do que te vai na alma, então, tenho de incitar-te a mudar de ares, a quebrar a rotina, a fazer qualquer coisa que te arranque à tristeza em que tens andado, ultimamente.
Entretanto, fico-me pela 1ª hipótese - criação literária - ;)
DespenteadaMental
Andas muito triste ou é escrita pura? Também tenho frio... Beijinho muito grande.
Um texto soberbamente escrito. Parabéns Joaquim!!! Está mesmo mto bom. Como já aqui foi dito, espero que seja somente escrita e que a tristeza n habite em ti.
Um Abraço
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